A polêmica reforma na Lei de Cidadania Italiana
Para quem acompanha o debate sobre o direito à cidadania italiana, não é novidade que o debate sobre identidade e inclusão de imigrantes é um tema recorrente no Parlamento Italiano. O princípio de cidadania ius sanguinis, que assegura cidadania a descendentes de cidadãos italianos, independentemente do local de nascimento e quantidade de gerações intermediárias, é regulada atualmente pela Lei nº 91 de 1992, e é alvo de crescente discórdia entre parlamentares.
A crescente demanda por cidadanias, especialmente de descendentes no exterior, e a presença significativa de estrangeiros vivendo no país, criam nos italianos a sensação de que é preciso restringir o acesso ao país. Esse sentimento levou à elaboração da Proposta de Lei nº 2080 de 2024, que pretende modernizar e restringir algumas condições para a transmissão e aquisição da cidadania.
A Lei 91/1992 permitiu que descendentes de italianos reivindicassem sua cidadania desde que pudessem provar sua linhagem e manter um registro de residência contínua, fosse no sistema consular italiano ou em algum município do país. Essa estrutura permitiu que milhões de pessoas ao redor do mundo, inclusive na América Latina, se beneficiassem do direito, mas também gerou um aumento exponencial de pedidos. Dados de 2022 mostram que a Itália concedeu 213.716 cidadanias, um aumento de 76% em relação a 2021, com maior concentração de pedidos oriundos de países vizinhos como Albânia, Marrocos e Romênia.
A Proposta 2080 de 2024 surge em resposta a essas dinâmicas, propondo limitações ao ius sanguinis e a introdução do conceito de ius Italiae. A principal alteração seria a restrição da transmissão de cidadania por gerações sucessivas, até o limite dos bisnetos, a partir do último italiano nascido na Itália.
Assim como é praticado na Espanha, apenas descendentes que possuam um “vínculo efetivo” com a Itália poderiam requerer cidadania, o que inclui fatores como residência, cultura e idioma. Essa mudança visa reduzir a pressão sobre as instituições consulares e priorizar aqueles que efetivamente possuem uma relação ativa com o país.
O conceito de ius Italiae representa uma tentativa de integrar melhor os estrangeiros nascidos ou criados na Itália. Pela proposta, estrangeiros nascidos na Itália ou que chegaram ao país antes dos cinco anos poderiam adquirir cidadania após dez anos de residência legal e conclusão da educação obrigatória. Essa iniciativa se alinha com as práticas de outros países europeus, como a França, e busca promover a inclusão de jovens que crescem na sociedade italiana, mas que enfrentam barreiras legais para obter cidadania.
Outras alterações propostas incluem a redução dos prazos para aquisição de cidadania por casamento e adoção, bem como a revisão das disposições sobre perda de cidadania. Essas medidas têm como objetivo simplificar o processo e torná-lo mais eficiente, atendendo às necessidades de uma população em mudança.
Um aspecto controverso da Proposta 2080 é a introdução de uma taxa de até 600 euros para processos de aquisição ou recuperação de cidadania. Essa medida, embora justificável do ponto de vista fiscal, é interpretada pela equipe jurídica da Agência Fattobene como potencialmente inconstitucional, por representar uma filtragem dos requerentes por riqueza pessoal, e será questionada na Justiça Italiana depois de aprovada. O governo alega que ela gerará uma arrecadação estimada de cerca de 10,5 milhões de euros anuais, contribuindo para a modernização administrativa e redução da duração do processo judiciais, mas a realidade é clara: pretende-se, assim, reduzir a quantidade de processos apresentados.
A Proposta de Lei 2080 reflete uma tendência política global de recrudescimento das políticas imigratórias, promovendo uma visão mais restritiva e nativista da cidadania italiana. Ao comparar com a Lei de 1992, fica evidente uma mudança de foco: enquanto a legislação anterior priorizava o fortalecimento dos laços com a diáspora, a nova proposta busca forçar os estrangeiros residentes no país a aderirem aos costumes nacionais e limitar os direitos de gerações distantes da Itália. É uma mudança que reflete os dilemas atuais do país, mas que não resolve os problemas fundamentais da questão imigratória.